domingo, 27 de abril de 2014

Um almoço em Machu Picchu


O número máximo de visitantes admitidos diariamente no interior do sítio arqueológico classificado de Machu Picchu é de 2500. Na mesma linha de controlo dos efeitos da pressão humana, é interdito levar para o interior do perímetro alimentos e bebidas em garrafas descartáveis.
 

Como habitualmente, planeámos a nossa visita a Machu Picchu sem intervenção de qualquer agência de viagens. Lemos os guias do costume, informámos-nos localmente e decidimos como íamos fazer: dormida em Ollantaytambo (último povoado normal antes do far-west de Águas Calientes, a povoação na base da montanha onde está Machu Picchu), ida no primeiro comboio da manhã, de forma estarmos lá em cima por volta das 8:30h (antes da chegada das hordas que apanham os tours a partir de Cusco). E decidimos passar o dia no sítio, deambulando ao nosso ritmo (e não no passo de trote das visitas guiadas) e, sobretudo, ficar até perto da hora de fechar, de modo a assistir ao pôr do sol lá em cima.

Ora, este plano continha um senão: a perspectiva de um dia inteiro de sobe e desce monte acima e monte abaixo sem ingerir qualquer alimento. Decidimos furar a regra da proibição de introdução e consumo de alimentos (de forma responsável, naturalmente, mas mesmo assim com alguma expectativa).
Cerca do meio dia chegamos ao "jardim", uma pequena mancha plantada de várias espécies representativas da flora alimentar e decorativa dos quechuas. Um canteiro de uns 15 m2, pontuado de orquídeas, arbustos e pequenas árvores, situado junto da Praça Sagrada. Sentámos-nos frente a frente sobre duas das muitas pedras "cansadas" (*) que abundam no sítio e começámos discretamente a comer a sandes e a beberricar do termos com chá de cola que preparáramos ao pequeno almoço. Mantendo alguma vigilância dos zelosos guardas, com os seus apitos estridentemente sancionadores das transgressões.


À nossa beira iam chegando sucessivos grupos de visitantes liderados pelo respectivo guia, que ia debitando a explicação apropriada ao local. Uma rábula mais ou menos longa e pormenorizada, consoante a dedicação e competência do guia, na qual pontuavam inexoravelmente as palavras "passion fruit" acompanhadas de um gesto indicativo da parte do guia e seguidas de alguma exclamação de admiração por parte dos ouvintes. E depois aquela tropa lá seguia o seu caminho. A repetição da cena ia gerando em nós um certo clima de galhofa. Foi assim durante 40 minutos. Comemos tudo o que levámos para a circunstância e, sem deixarmos vestígio da nossa passagem, também seguimos caminho, saciados e com uma ligeira indigestão auditiva de passion-fruit.



(*) Pedras "cansadas" é a designação dada a blocos de pedra já parcialmente aparelhados que se encontram espalhados nos sítios arqueológicos incas e que se presume possam ter sido abandonadas no caminho entre a pedreira e o local de aplicação. Neste caso concreto, poderá também tratar-se de meras pedras deslocadas por derrube das construções existentes.

Escrito por Vitor



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