terça-feira, 31 de agosto de 2010

Volta à Chapada: Catinga com Poço Azul e estudantes

O sertão, seco, de catinga, das histórias dos bandeirante ou das personagens de Jorge Amado vislumbrou-se num relance de passagem entre casas simples perdidas num terreiro castanho e campos nus semeados de pequenos montes de terra arredondados que são formigueiros (diz-se que algumas chegam a 9 cm!).
O destino era o Poço Azul, uma gruta funda onde o lençol freático faz uma lagoa. Aqui foram achados ossos de um passado distante, de preguiças e tatus gigantes. Uma abertura na rocha deixa passar os raios de sol durante algumas horas e a água fica azul, estranhamente transparente, deixando ver nítido o fundo distante.
Pode-se nadar, mas a visita é estritamente controlada - número de pessoas, tempo limite, duche prévio, nenhuns objectos, colete e óculos – o que torna a actividade demasiado amestrada.
Acrescia como envolvente uma excursão de uma escola secundária de Feira de Santana, com bandos de adolescentes à espera de vez para o Poço, comendo, rindo e tirando fotos.
Aí fomos entrevistados, por um grupo que tinha que fazer um trabalho para inglês. Â falta de nativos, também funcionaram uns portugas a falar inglês. E as perguntas e respostas sobre a importância da língua inglesa no mundo de hoje lá se fez, devidamente gravada e filmada e, no fim, com anotação dos nossos nomes.
Houve foto de fecho de entrevistadores e entrevistados. A miúda, nas escadas do Poço, deu-me um abraço bem saboroso. Devia ter-lhe perguntado o nome.



Volta à Chapada: Buracão

O Parque Municipal do Espalhado é da jurisdição de Ibicoara que obriga a que o guia acompanhante seja da cidade. O primeiro passo foi apanhar o Marconi, da agência Bicho do Mato. A trilha é curta, um total de ida e volta de 6 km, principalmente na margem do rio Mucugêzinho que depois se junta ao Riachão das Pedras, em terreno arenoso ou empedra.
Os cactos xique-xique abundam e em algumas passagens é preciso algum cuidado. Também há muitas canelas de ema, bromélias e muitas outras plantas de que não sei o nome. As orquídeas já não estavam em flor, mas vimo-las no paredão da Cachoeira das Orquídeas e pode-se imaginar…
O rio espalha-se em algumas zonas, depois entra e sai da terra, fazendo cachoeiras e lagoas. A última, o nosso destino, era espectacular: o Buracão. Desce-se até uma garganta muito estreita (10 m?) de arenitos estratificados que fazem um listado de relevos horizontais. Vê-se correr a água, funda, preta, mas polvilhada â superfície por farrapos brancos de espuma que se adivinham vindos da cachoeira. E nada-se, uns 80 m (colete é obrigatório), entrando no desfiladeiro, subindo a corrente, virando â esquerda para descobrir a lagoa e o rio a cair na vertical.



Cidades do garimpo

Foram os diamantes que trouxeram gente a estes povoados – Igatu, Mucugê, Andaraí, para além de Lençóis.
Igatu é um bom exemplo. Chega-se por 6 km de um caminho em grande parte calcetado com lajes de pedra que sacolejam tudo. Mas está tombada… nada a fazer! Ali corre o rio Piaba que desce o monte até ao rio Paraguaçu, lá no vale, ambos locais de garimpo. Igatu era conhecido pelos diamantes carbonados, negros, valiosos de tão duros para ferramentas de corte.
O garimpo fazia-se primeiro manualmente, imprimindo movimentos circulares à bateia, grande prato de madeira ligeiramente cónico, onde os diamantes, mais densos, se depositavam na depressão central. A estátua numa das praças de Andaraí é bem elucidativa. Depois veio o garimpo motorizado e o Paraguaçu, antes profundo e navegável, ficou completamente assoreado.
Aqui viveram no auge perto de 10 mil pessoas. Muitos escravos mas também a arraia miúda, a mando dos senhores dos garimpos e das terras, e do coronel. Parece que, quando assassinaram o coronel Horácio de Matos, a população debandou, montes afora, e ficou a cidade-fantasma, como hoje se chama. Tombada, claro!
Igatu vive hoje do ecoturismo e de uma certa vertente artístico-cultural. Marcos Zacarias é um artista residente, curador de um pequeno museu e sala de exposições. Os grandes discos feitos com uma amálgama de cápsulas de eucalipto, de sua criação, vão ficar-me na memória.



segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Volta à Chapada: Vale do Capão - Gerais do Vieira- Guiné

Esta foi a tirada mais comprida, 17 km, acompanhados pelo Piaba, sob um céu encoberto. Começa-se - como sempre – a subir! Desta vez com uma emoção pois cruzámo-nos com uma cobra venenosa que se meteu nas ervas e desapareceu. Parece que é frequente, assim como a cobra coral.
No planalto, um longo percurso em caminho fácil no meio de pastos, os Gerais do Vieira, que eram terrenos comunais para onde as populações traziam o gado. Hoje isso já não é possível e por aqui andam apenas burros. O trilho atravessa o planalto, perdendo-se entre as ervas. Nos refegos das ondulações aumenta a vegetação, correm riachos.
Na ponta, em frente ao Morro Branco, a vista espraia-se, escorre pelo Vale do Pati, e termina nos morros que circundam o horizonte. Aqui viramos mais ou menos a 90º, cruzamos o Rio Preto e atravessamos os Gerais do Rio Preto.
A descida é bastante espectacular, uma escadaria de blocos de pedra que serpenteia com grande declive até ao Guiné, pequeno povoado simples, onde nos esperava o Vladimir com o jipe e as nossas mochilas.
Depois foi rodar no vale plano, bastante agricultado, até Igatú, onde nos esperava o jantar na Pousada.






domingo, 29 de agosto de 2010

Volta à Chapada: Vale do Capão – Fumaça

A Chapada conhece-se caminhando, embora os trajectos de carro - por vezes longos - sejam precisos para fazer as ligações. Os morros que se vêm na paisagem enganam na distância e as trilhas de terra batida são geralmente bem sacudidas.
A trilha Vale do Capão-Fumaça é um bom começo, uma volta de 12 km, A subir são 2 km, eu a resfolegar que nem boi cansado apesar das paragens estratégicas para fotografar, mas na descida é o Vitor a ganir com o joelho. Lá em cima é um planalto ondulado que termina num paredão abrupto por onde despenca a água da Fumaça. Espreita-se deitado na laje, grande feito para quem tem medo de altura!
A vegetação passa de pequenos maciços de mata (talvez no passado tenham sido Mata Atlântica), a cerrado razoavelmente aberto e, lá em cima, a campos rupestres ou campos limpos só com gramíneas. Aprendi algumas plantas. A sempre-viva é uma pequena flor branca em bolinha, singela na ponta de um caule fino, muitas vezes crescendo em tufos, muito apreciada em bouquets de noiva nos EUA, onde pode atingir centenas de dólares. Protegida, claro, como tudo no Parque da Chapada, de onde só podem sair fotos e memórias.
Na volta, banho no Riachinho, bem fresco na entrada. A água é castanha, de óxido de ferro e dos taninos das cascas e folhas, um banho de coca-cola, como diz o Vladimir Bau-Bau, o nosso guia.





sábado, 28 de agosto de 2010

Chapada Diamantina: Lençóis

A volta à Chapada começa aqui. Lençóis desenvolveu-se com o garimpo e quando apareceram diamantes rapidamente atraiu pesquisadores que montaram toldos e tendas, os lençóis que se viam ao longe e lhe deram nome. Parece que recentemente tentaram chamar-lhe Resplendor, mas não pegou e Lençóis ficou.
Hoje, proibido o garimpo em 1994, é o turismo que traz batalhões de visitantes e fez nascer múltiplas agências de ecoturismo, lojas de arte-artesanato, pousadas. Bem preservada, casas coloniais e fiadas de fachadas coloridas, ruas calcetadas em declive, o rio Lençóis a atravessar escorrendo sobre as pedras. As águas cantam nas cachoeirinhas e a Pousada ao seu lado é uma delícia (tinhas razão Pedro!).
À tarde, tudo está fechado e a cidade arrasta-se sonolenta. Sentada num pequeno largo, vejo passar o tempo, um cão a dormir, miúdos a brincar, duas mininas a cutucar dois molequinhos que correm nas pernas curtas com pedras na mão, mas é só ameaça e os risos são muitos. À noite anima, tanto com os locais a tomar um chope e a comer acarajés, como com turistas variados, certinhos ou alternativos, brasileiros ou europeus.
Está-se bem, a noite é quente.


Notas de viajante

Não é fácil a vida de viajante e o tempo é sempre curto! Manter um blog – ou um diário – não é possível com a regularidade cronológica dos acontecimentos. Exceptuando os casos de não haver internet, ou ser impraticável de tão lenta, os dias estão cheios. Café da manhã bem cedo, todo o dia caminhando ou visitando, chega-se estoirado, um banho e já é noite. Só dá para as rotinas: descarregar as fotografias, formatar o cartão, carregar a bateria. Na cama pensa-se nos potenciais escritos e faz-se a lista de boas intenções: amanhã, sem falta, escrevo o relato, passo as notas tiradas a caminhar de nomes e de plantas, num papel dobrado em oito com uma esferográfica que às vezes só escreve intermitente (será que ainda vou lembrar?). Também seria bom legendar as fotos, a memória mistura tudo rapidamente. Ser a única fotógrafa também é solitário, e os outros impacientam-se ou brincam. “Tem que segurar ela”, “prende ela no pé”, comentava o Vladimir Bau-Bau quando me via afastar com a máquina nos povoados, com grande deleite do Vitor (ai mana fazes falta!).
Admiro os relatos dos viajantes científicos, páginas e páginas de escritos detalhados, de pormenores e desenhos, para além das impressões. Ou dos modernos escritores-jornalistas a mandar texto sobre texto e a guardar notas para livros futuros. Decididamente eu sou mais do estilo slow travel…

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Janelas de Tiradentes

Outras épocas e outro lugar estão nas janelas em Tiradentes. Guilhotinas, portadas, cortinas rendadas, vidraças recortadas, é como uma viagem a um passado de uma vila portuguesa. As ruas empedradas e as praças, as igrejas no alto, o fontanário na entrada, casas senhoriais decoradas, tudo lembra uma memória imaginada.
Diz-se de Tiradentes, tal como das outras cidades históricas da época da exploração do ouro, que ficou parada no tempo. É certo na arquitectura, mas não na vida da vila que está bem actual, com um turismo exuberante, artesanato e restaurantes, pousadas e charrettes, absolutamente lotada neste fim de semana de festival gastronómico.


segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Churrasquinho e tutu

Toda a ocasião é boa para um churrasquinho bem acompanhado por cerveja bem gelada: boas vindas, defesas de teses, eventos, ou apenas comer as sobras de carne do churrasco anterior. O churrasco de encerramento do workshop teve músicos a tocar chorinho e sambas e até o “Coimbra é uma canção” que foi dançado pelos mininos com arabescos vagamente tangueiros.
O Sr. Morais, mestre churrasqueiro, ensinou os segredos. Carne de boi (a picanha é a melhor) não é temperada, apenas envolvida em sal grosso e grelhada, pois assim não seca e fica no ponto; no fim basta sacudir. Já o frango (só coxinhas das asas, que se grelham melhor e são fáceis de comer) e o suíno são temperados: um copo de vinho branco, água, sal, cebola e cebolinho, salsa em marinada. E o carvão de eucalipto é o melhor, mantém uma temperatura baixa e não dá cheiros.
Mas houve mais. O tutu mineiro é uma delícia, um puré de feijão com carne e enchido topeado com rodelas de cebola estufadas, comido com couve cortada fina. E o frango ora pro nobis, um estufado com folhas do arbusto desse nome, acompanhado com angu, uma polenta.
Também deu para provar algumas das cachaças – parece que Minas Gerais é famosa pela variedade, a maior parte artesanal. A Selecta é envelhecida em madeira de cerejeira e tem um travozinho final a cereja que surpreende.
Beber cachaça também tem conheimento! Põe-se debaixo da língua, daí escorre devagar, abrindo o coração. E ficou a imagem, de história contada, de um velho cachaceiro sentado na sua roça, bebendo lentamente a pinga, a olhar a passarada ao entardecer.

sábado, 21 de agosto de 2010

Minas Gerais: do Cerrado e Lavras

A pequena cidade de Lavras fica a 230 km a sul de Belo Horizonte, em Minas Gerais. Foi uma árvore, o pau-santo (Kielmeyera coriacea) que aqui me trouxe. Ela é uma das espécies do cerrado que possuem uma casca com cortiça, talvez adaptação protectora contra os fogos frequentes. O cerrado, a savana brasileira, que ocupa quase um quarto do país, apresenta várias fisionomias desde formações densas a espaços abertos de gramíneas, com grande diversidade de plantas e animais, mas também desmatação para agricultura e plantações florestais e utilização extractiva excessiva.
O mote é “se queres preservar a biodiversidade, usa-a” e daí a investigação sobre as espécies e os produtos. A cortiça poderá ser um deles.
Um passeio nos montes circundantes permitiu as primeiras impressões. E a lição dos colegas Marco Aurélio e Rubens deu a primeira pincelada sobre espécies e fenómenos. Na paisagem, vêem-se as copas com diferentes colorações, amarelas, vermelhas, castanhas, que resultam das folhas que estão a nascer. No pau-santo, as folhas novas espetam-se em tufos na ponta dos ramos e não resisto a uma foto a observar o tronco cortiçoso.
E muitas das árvores retorcem-se escultóricas, com uma tortuosidade carácterística do cerrado, cujas razões parecem não ser ainda conhecidas.





Quanto a Lavras, da praça central, a cidade escorre para os lados por ladeiras empinadas. No passado existia um bonde que as percorria. Hoje pouco resta do que deve ter sido uma vila de casas típicas burguesas com enfeites nas fachadas. A praça ainda tem uma igreja de simplicidade ingénua e um ou outro edifício, e, como símbolo da cidade, uma árvore centenária, um ipê monumental que já precisa de ajuda para segurar os ramos. De resto principalmente construções baixas, descaracterizadas, a lembrar clandestinos de arrabaldes.