segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Encontro pessoal com o vento patagónico

Por cá o tempo muda de hora para hora. Já tinha lido sobre alpinistas surpreendidos na montanha, mas é preciso viver a súbita entrada do mau tempo para perceber bem como é. No painel de informações do parque anunciavam ventos de 100 km/h para hoje. De madrugada a ventania instalou-se e a cabana confortável onde habitamos começou a estremecer e a ranger sob os golpes das refregas. Mas confesso que não ligámos muito. Afinal estamos na Patagónia e vento forte faz parte do quotidiano. Marcámos para hoje uma travessia de um lago seguida de um passeio a pé sobre um glaciar. No caminho para o ponto de partida, o Pedro, ao volante da pick-up TT que nos serve de transporte, queixou-se da força que tinha de fazer no volante para manter o carro no estradão. No aconchego da cabina do carro continuámos a não ligar. Subitamente, no meio de uma planura, a lona que cobre o compartimento de carga soltou-se. Parámos para a reprender. A Margarida saiu por sotavento mas eu só a muito custo, aproveitanto as pausas entre refregas, consegui abrir a porta de barlavento e sair. Mas, efectivamente, não tinha ainda percebido bem o que estava (par)a acontecer. Mal tinha dado 3 passos, os óculos voaram-me da cara e afastaram-se rapidamente, rebolando uns 30 metros, primeiro sobre o macadame e depois sobre a erva. Surpreso, vieram ao de cima os instintos e as boas regras da navegação no mar. Fixei visualmente o sítio onde os óculos tinham desaparecido e dirigi-me para lá. Nova surpresa. Depois de vários abanões, tive que me deitar no chão para não ser projectado e rebolado como folha seca. A meu lado, a Margarida também se tinha deitado no chão. A cara permanentemente fustigada por pequenas pedras lançadas pelo vento, as areias mais finas entrando-me nos olhos, lá fui gatinhando a quatro, à procura dos óculos, que finalmente achei e metodicamente guardei no bolso para encetar o processo de retorno ao carro. Agora de cara ao vento, foi uma luta que estive várias vezes à beira de momentaneamente perder. Sentado de novo no interior do carro, levei algum tempo a recompor-me do sucedido. Rolámos devagar até ao próximo abrigo, a meia dúzia de quilómetros, onde os óculos foram repostos em estado funcional e o ânimo fortalecido com um café quente. Experiência interessante e didáctica.
Hotel Grey, Torres del Paine, Patagónia chilena, 24 de Janeiro de 2010
VC

2 comentários:

  1. Tanta emoção nestas linhas de bom-humor!
    Espero que não me levem a mal, mas já soltei umas valentes gargalhadas enquanto imaginava visualmente a peripécia... afinal, não acontece só nos filmes de banda desenhada.

    Obrigada por este momento de boa disposição no meio da minha angustiante epopeia.

    Mas vocês andam por sítios verdadeiramente espantosos!!! As fotos do Perito sabem a pouco... Espero que após o regresso tenha lugar uma sessão para contarem essas aventuras, devidamente ilustradas, claro está.


    Patrícia

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  2. Desculpa-me Vítor, mas também eu me fartei de rir a imaginar a cena. Não há fotos? até p´ra semana.
    CBF

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