sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Conto moral em 3 actos

A última vez que me esqueci de arrumar a minha Leatherman (uma espécie da canivete suíço, mas mais desenvolvido) na bagagem de porão foi antes do embarque num voo Boston-São Francisco e o resultado foi a Leatherman ser-me confiscada no controlo de segurança e ter de comprar uma nova. Além do valor pecuniário (mais de 150 €), há o valor afectivo. Trata-se de um objecto que dá prazer ter e utilizar nestas andanças.
1º Acto – Prólogo
Aeroporto de El Calafate. Feito o check-in no voo para Buenos Aires, já na fila do controlo de segurança, dou-me conta de que tenho a Leatherman no estojo posto ao cinto. Volto em passo acelerado ao balcão de check-in, na tentativa de encontrar uma solução que permita ainda despachá-la como bagagem de porão. Ao chegar, vejo a minha mochila (que é totalmente preta) a ser colocada na passadeira de bagagem e a mochila da Lena (igual mas com algumas partes cor de caqui) encostada, para ser colocada a seguir. Peço que me dêem a mochila da Lena, enfio rapidamente a Leatherman numa das bolsas laterais e reentrego a mochila, que é colocada na passadeira. Aliviado e satisfeito, regresso à fila do controlo de segurança, não deixando de me interrogar porque razão, mais de 15 minutos depois de termos feito o check-in, a nossa bagagem ainda ali estava.
2º Acto – Coincidências
Passadeira de recolha de bagagens no aeroporto de Buenos Aires. Surge a minha mochila (preta). Retiro-a da passadeira e só depois começo a estranhar pequenos pormenores. O cadeado que liga os fechos inferiores não está lá. A Lena chama-me a atenção para que há um saco-cama enrolado sob a tampa superior da mochila. Compreendo que não é a minha mochila (trata-se de uma da mesma marca, modelo e cor) e recoloco-a na passadeira. Passados uns instantes, surge na passadeira a mochila da Lena e logo a seguir a minha (verdadeira) mochila. Quando retiramos a mochila da Lena aproxima-se um casal jovem, franceses, e concluímos os quatro de que a mochila da Lena afinal é a da francesa. E que a anterior mochila preta igual à minha é do francês. Em síntese, o casal francês tinha mochilas iguais às nossas, mesma marca, modelo e repartição de cores pelos membros do casal. Brincamos os quatro sobre a coincidência e eles vão-se embora.
3º Acto – Epílogo
Finalmente surge na passadeira a (verdadeira) mochila da Lena. Antes de a colocar no carrinho de bagagem procuro a Leatherman. E não a encontro na bolsa lateral onde a tinha posto. Numa primeira fracção de segundo admito o roubo. No instante seguinte, qual raio que me atravessa o espírito, percebo o que se passou. Eu e a Margarida saímos disparados e atravessamos a correr a sala de bagagens, o controlo de saída, o átrio das chegadas, à procura do casal francês, que encontramos já na fila de espera dos táxis. Segue-se a parte caricata. Rápida explicação minha, que os franceses dificilmente terão percebido logo, e passa-se à busca da Leatherman nas bolsas laterais da mochila dela. Na primeira bolsa não há nada. Da outra começam por sair cuecas e sutiãs, com a francesa a balbuciar “mes culottes”. Aí parei e deixei a busca para a dona da mochila. Instantes depois surge a Leatherman. Cai o pano, rápido.
Neste tempo de segurança reforçada nos aeroportos, ficam várias ilações e outras tantas interrogações. Nomeadamente sobre o papel do acaso nas falhas de segurança.
Hotel Colón, Buenos Aires, 2010-01-28
VC
PS – Cristina, pensámos em ti e fizemos uma fotografia.

1 comentário:

  1. É fantástica esta história, é de rebolar a rir! Especialmente as coulottes em alegres reviravoltas com Leatherman! Conheço bem o gosto dos velejadores pelas Leatherman, portanto imagino o desespero de a imaginar para sempre com as coulottes...
    Bjs. Cristina Garção

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