Foi um daqueles casos muito agradáveis em que a realidade excedeu largamente as expectativas.
Depois das condições agrestes do Lago Titicaca (temperaturas baixas, vento e ar rarefeito devido aos 3800-3900 metros de altitude, gerando algum desconforto físico) e de uma viagem de 7 horas em autocarro (confortável), chegámos já de noite a Arequipa. Além dos benefícios da redução da altitude para menos de 2500 metros, a minha expectativa era moderada, apenas baseada nas informações do guia de viagem. Para apimentar as coisas, o condutor do autocarro perdeu-se nos arrabaldes da cidade (um caos urbano, comum nas cidades peruanas mas todavia espantoso mesmo para um urbanista habituado a correr mundo). Durante meia-hora, o autocarro pullman de 2 andares circulou fora das vias, avançou longamente em contra-mão, fez marcha-atrás umas 4 ou 5 vezes, ficou parado, aparentemente indeciso, durante largos minutos, fez sair um dos condutores para parar o tráfego contrário. Ao princípio fez pensar que se poderia tratar de um bus-jacking.
Primeiras surpresas: um taxista simpático e um acolhimento afável e muito civilizado na recepção do hotel, localizado num edifício simpático a menos de 5 minutos a pé da Plaza de Armas. Quarto confortável e acolhedor.
As grandes surpresas chegaram no dia seguinte. Depois de um pequeno-almoço "caseiro" e apetitoso saímos para a rua, em pleno centro de Arequipa, e fomo-nos deparando com uma sucessão de "casonas" coloniais, dos séculos XVI a XVIII, absolutamente deliciosas. Um clima ameno e uma atmosfera de rua igualmente amena.
Ao segundo dia outro "prato de substância", o Convento de Sta.
Catalina. Fundado em 1580, é uma cidade dentro da cidade (relação traduzida na
denominação local de "cidadela"). Igreja e extensos e espectaculares
espaços comunitários (agora transformados em galeria de arte da Escola de Cusco
e das jóias do convento) e generosas infra-estruturas comuns (cozinhas,
armazéns, lavandarias, cemitério, horto e jardim, vários claustros
introspectivos e decorados com cenas religiosas pintadas nas paredes
perimetrais).
Cada
núcleo organizado em torno de pátios comuns e o conjunto estruturado por uma
rede de ruas estreitas com nomes de cidades espanholas. O todo encerrado da
restante cidade por um muro perimetral de 4 ou 5 metros de altura, em
"sillar" (*), ocupando uma mega "quadra" de 20.000 m2.
Absolutamente fascinante.
Quatro horas de deambulação e descoberta permanente e
uma memória muito agradável quando somos restituídos ao mundo secular da
cidade.
E há a Casa de Moral (assim denominada por causa da árvore bi-centenária que se ergue no centro do pátio principal), "casona" patrícia construída em estilo barroco-mestiço em 1730, na habitual sequência de pátios, comum nas casas coloniais de Arequipa. Propriedade original de uma das famílias mais influentes da cidade, a sucessão de espaços que se organiza em torno do pátio principal, com as suas generosas dimensões em planta, pés direitos elevados e janelas rasgadas na vertical jorrando luz para o interior. Tudo bem restaurado, mobilado e decorado com exemplares de época (vários pertencentes à família original), é uma fascinante lição da arte de bem habitar. Mais uma cereja em cima de um bolo já muito apetitoso.
E a travessa
por detrás da catedral, para beber um copo ou almoçar numa esplanada ou jantar
num terraço sobranceiro.
Arequipa, uma cidade que ilustra bem o que ser "cidade" significa, uma cidade amena e convivial onde será sempre bom voltar.
Arequipa, uma cidade que ilustra bem o que ser "cidade" significa, uma cidade amena e convivial onde será sempre bom voltar.
(*) O "sillar" é a designação local de uma pedra vulcânica branca e
porosa, correntemente utilizada na construção dos edifícios de Arequipa até ao
século XIX. A nobreza do material aliada à textura da pedra banhada pelo sol dá
um belo efeito.
Escrito por
Vitor